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15 de setembro de 2012

Restrição no CNPJ suja o CPF?

Olá, Doutor,

Gostaria de saber o seguinte: eu abri uma empresa e tive que fecha-la, porém o CNPJ desta empresa ficou sujo. Mais tarde, procurei uma concessionária para comprar uma moto e não obtive direito ao crédito, porém não me deram os motivos, mesmo eu tendo utilizando o CPF para comprar a moto e já estando registrado em um serviço. Minha dúvida é a seguinte: se eu tiver o CNPJ sujo, o CPF também fica sujo, ou são vidas jurídicas distintas?

Obrigado pela atenção!
 
Max T.
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Bom dia, Max!
 
Há duas questões que merecem ser analisadas no seu caso. A primeira se refere ao contexto geral; a segunda, ao seu caso específico.

 Vejamos.

1) Na concessão de crédito, que geralmente é feita pelas concessionárias ou demais empresas mediante um banco, sempre se analisa o risco da operação, e é possível negar um empréstimo pessoal ou financiamento de veículo quando há razões justas para presumir a possibilidade de inadimplência.

Efetivamente, as dívidas da pessoa jurídica não se transferem para as pessoas físicas fora dos casos permitidos em lei, por exemplo, quando há negligência no cumprimento de compromissos legais (como a manutenção de contabilidade, cumprimento de obrigações tributárias acessórias), fraude ou confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e de seus sócios ou administradores. Também no caso da firma individual, a pessoa física responde pelos atos da empresa com a totalidade dos seus bens.

Portanto, para saber se há justo motivo para que o banco transfira o conceito de crédito da pessoa jurídica para a pessoa física, no seu caso, é necessário observar - uma vez que os demais casos dependem de prova que o banco não pode obter de maneira simples - se nos atos de constituição da sua empresa você tinha poderes de administração.

Caso tivesse, uma vez que a falta de cumprimento dos compromissos da empresa poderia ser imputada à negligência na gestão, existiria motivo razoável para a concessionária ou o banco conveniado lhe negarem o crédito, visto que existe certa dose de pessoalidade (no sentido da pessoa natural ou física) nos atos praticados por você na gestão da empresa, que autoriza o credor a presumir um risco de crédito em relação a sua pessoa.

No entanto, se você era apenas cotista sem poderes de administração, não existiria nenhum motivo razoável para a extrapolação, aplicando-se o princípio geral da distinção entre pessoa física e pessoa jurídica.

Para dar um exemplo, recentemente a Turma Nacional de Uniformização dos juizados especiais decidiu que no caso de um segurado do INSS que era sócio-administrador de uma firma e faleceu sem pagar as suas contribuições nos últimos dois anos, a viúva não poderia pedir a pensão por morte com o pagamento dos atrasados (contribuição pós-morte) exatamente porque o falecido tinha poderes de administração na empresa. Se não tivesse, mesmo sendo sócio, o benefício poderia ser concedido.

Isso deixa clara a extensão dos efeitos dos poderes de administração em uma pessoa jurídica.  A legislação civil/comercial moderna também impõe penalidades pessoais a diretores de empresas que praticam fraudes, atuam com negligência ou agem fora dos limites do objeto social da empresa, responsabilizando-os civil e penalmente, conforme o caso.

Portanto, a distinção entre as pessoas jurídica e física é regra geral, mas tem suas exceções.

Resumindo, se você tinha poderes de administração, o remédio para a situação como um todo é procurar resolver a pendência da empresa, se for possível, ou aguardar o prazo prescricional das dívidas. Se não tinha, a extrapolação é injusta, mas mesmo assim você tinha o direito de ser informado pela concessionária. Isso faz parte do segundo ponto de que falamos acima.

 
2) A concessionária não pode lhe negar o financiamento sem prestar as informações acerca do motivo, visto que está obrigada, nos termos do artigo 39, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor,  a satisfazer a demanda de qualquer pessoa que a procure em situações semelhantes e na medida de sua disponibilidade de estoque.

 Por outro lado, o consumidor tem o direito á informação e à igualdade nas contratações.

 Diz o CDC:

 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

....

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

 III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

 
            No primeiro caso, a concessionária teria de tratá-lo com igualdade em relação aos demais clientes, visto que você não tem restrição no CPF e tem emprego em carteira, e assim por diante.
 
            Havendo o temor de inadimplência por causa da situação cadastral de sua empresa, isso teria que lhe ser informado.  Em recente decisão, o STJ condenou um banco que havia usado informações cadastrais secretas ( o chamado cadastro interno) para negar um financiamento a um cliente. A dívida estava prescrita, mas o banco mantinha um cadastro interno, que não é revelado ao cliente e não aparece nas consultas aos serviços de proteção ao crédito.

            Desta forma, como não houve informação sobre a recusa, você poderá ajuizar uma ação para que a concessionária lhe venda a moto com base na sua situação cadastral e na igualdade das contratações ou justifique por que não o faz. Nessa ação é possível cumular o pedido de reparação de danos morais e materiais.

            Os danos morais de lhe negar financiamento sem informá-lo, submetendo-o a constrangimento, não precisam ser provados, pois são inerentes ao fato (dano in res ipsa), mas se você teve danos materiais esses precisam ser determinados e quantificados na petição inicial ou, se forem danos emergentes, que ainda poderão surgir e só poderão ser quantificados futuramente, será possível pedir sua reparação para que a especificação e a quantificação sejam feitas na fase posterior à sentença, numa forma de liquidação (cálculo do valor da condenação) denominada liquidação por artigos.

 Se o pedido de reparação de danos for de até 40 salários mínimos, você poderá ajuizar a ação nos Juizados Especiais Cíveis com ou sem advogado. Se você ajuizar a ação contra a concessionária e contra o banco, ao mesmo tempo, e se for um banco federal que não tenha acionistas privados, como a CEF, a ação poderá ser ajuizada no Juizado Especial Federal até o limite de 60 salários mínimos. Se os valores ultrapassarem os limites acima, em ambos os casos, a ação deverá ser proposta na justiça comum estadual ou federal mediante advogado.

 Embora a lei lhe permita formular seu pedido diretamente e os JECs forneçam um advogado dativo para acompanhar a audiência de instrução, na qual se ouvem as partes e testemunhas, se não houver acordo na primeira audiência de conciliação, estar acompanhado de um advogado que tenha dedicação especial ao seu caso é sempre conveniente e recomendável.

abs